Noite Preta
li na semana passada o novo livro do
Edu Giannetti, "
O valor do amanhã", sobre as raízes naturais dos juros ou como a troca intertemporal é parte da natureza humana. Concordo: a coisa é atávica. "Pague hoje, usufrua amanhã" ou "usufrua hoje, pague amanhã"?
Na primeira parte do livro, Giannetti aborda a troca intertemporal sob o ponto de vista evolutivo. Para mim, darwinista diletante, o autor incorreu um pouco no erro teleológico, como no trecho: "
entre guardar os recursos ´debaixo do colchão´ e aplicá-los a juros convidativos na usina conversora que é a folhagem, a árvore abraça a segunda opção". Peraí. Por mais que a simplificação aí tenha um propósito didático, não dá pra atribuir intenção à árvore. Afora essa tentação teleológica (que é comum, infelizmente, quando se fala em evolução), outra coisa me incomodou no livro: apenas citações de autores homens, como se a História do Pensamento Universal tivesse sido escrita apenas por homens. Ok, pior é que foi mesmo, pelo menos até o século 20, mas a gente tá aqui pra fazer correções de rota, certo? Como as citações ali não são apenas de pensadores ou cientistas pré-século 20 (ele cita artistas, autores, etc), penso que há um traço um tanto demasiadamente masculinista na formação do Edu, que cita apenas 2 mulheres na obra: Cecília Meirelles, com o poema "Ou isto ou aquilo" e a bioantropóloga Sarah Blaffer-Hrdy (que já citei várias vezes em minhas colunas e neste
blog), citada nas notas ao final do livro. Da próxima vez que o encontrar pessoalmente, vou indicar
Donna Haraway como leitura.
Ok. Feitas as ressalvas, preciso dizer que aprecio o empenho do Edu em explicar aspectos da economia para leigos (já li 2 outros livros dele, bons e gostosos de ler) e sua escrita é rica e elegante. Vou terminar o post com um trecho extraído de "O valor do amanhã", torcendo para que o "Homem moderno" de Giannetti encontre um dia o "Cyborg-FemaleMan-pós-moderno" de Haraway:
"O fato espantoso é que, apesar de toda a pretensa valorização da razão fria e de uma postura de completa objetividade diante das coisas, o ideal moderno é viver sob o mais metódico e fantasioso escapismo. É viver como se a morte não nos dissesse respeito. No ambiente moderno, secularizado e tecnicamente aparelhado, a experiência do "morrer antes de morrer" - elaboração subjetiva e madura da inevitabilidade da própria morte - foi estigmatizada como uma espécie de anomalia ou morbidez a ser banida do campo de atenção consciente. Na caverna high-tech do alheamento, sob o bombardeio de estímulos da grande metrópole, a sombra do efêmero ofusca a luz do mistério. A lâmpada elétrica apaga o céu noturno e o entretenimento eletrônico embala a morte-em-vida em que a consciência da morte adormece. O homem moderno cruza velozmente os ares, mas não mira o cosmos. Ele acumula anos adicionais de vida, mas evita pensar na eternidade - terror soberano -, que o apavora. Sendo morte e sua sombra os principais ´defeitos´ da vida - todo o resto, supostamente, a técnica e a razão remedeiam -, tudo se passa como se bastasse ignorá-las para que elas também nos ignorassem." © Eduardo Giannetti, em "O valor do amanhã"