Instinto Materno
Desconfie quando um homem resolve falar de instinto materno. Hoje a coluna do doutor Drauzio Varella na
Folha de S.Paulo discorre sobre o assunto sem dar conta da enorme complexidade que envolve a questão. Não que haja incorreções ali, mas falta boa parte da história: o cara bem que poderia ter lido alguns estudos da maior especialista no assunto hoje, a bioantropóloga
Sarah Blaffer-Hrdy.
Lá pelas tantas, o doutor Drauzio diz: "
Exames do cérebro de ratas em época de aleitamento mostram que ocorre ativação de uma área cerebral conhecida como núcleo acumbens, na qual se integram neurônios encarregados das sensações de reforço e de recompensa, mecanismos semelhantes aos envolvidos na dependência de drogas. Curiosamente, ratas tornadas dependentes de cocaína, quando colocadas diante do dilema da escolha entre a droga e os filhotes recém-nascidos, dão preferência a estes". Do jeito como ele coloca as coisas, fica parecendo que a maternidade é sagrada e que o cérebro da mãe fica, irrevogavelmente, banhado por uma química que irá ligar a mãe ao filho.
Segundo Hrdy, não é bem assim. Para ela, a maternidade, desde a gravidez, é uma dura e intensa negociação entre os interesses de mãe e filho e não há nada "sagrado" ou "irrevogável" quando se fala em instinto materno. Para Hrdy, infanticídio, aborto e abandono também são facetas do instinto materno, por mais paradoxal que isso possa parecer. Segundo a bioantropóloga, se a mãe julgar que não tem condições físicas ou psicológicas (no caso dos animais não-humanos) para levar a termo a gestação ou criação dos filhotes, o instinto materno fará com que ela aborte, mate ou abandone a cria.
A noção vitoriana da santidade materna expressa nas entrelinhas da coluna do Drauzio é um grilhão muito antigo, usado para atar os pés e o útero da mulher.
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PS. Se você dispuser de um
Adobe Acrobat, pode ler uma exposição breve das teorias sobre o instinto materno de Sarah Hrdy em dois artigos. O
primeiro, da colunista de ciências do
NY Times, Natalie Angier. O
segundo, de Claudia Dowling, publicado na
Discover Magazine. Os dois, em inglês. Para ler diretamente os estudos recentes de Hrdy, eles estão disponíveis em sua
página.