Joana – Pena, não é mesmo, que justo a tarefa que requer maior sensibilidade e capacidade de cuidar dos outros – ser mãe – nem mesmo é remunerada! Uma mulher não pode abandonar sua barriga e seguir em frente, ir embora. Um homem pode abandonar a barriga da mãe de seu filho e seguir em frente, ir embora, por horas, por dias, por meses, por uma vida inteira. É essa injustiça que tento reparar.
Darwin – Mães também abandonam seus filhos, dão para adoção...
Joana – O senhor faria isso? O que o senhor faria se ficasse grávido, doutor Darwin?
Darwin – Ora, eu não sei, nunca pensei nisso... pra quê? Eu sou homem, não tenho útero... de que adianta pensar nisso?
Joana – Então deixe esse assunto com as mulheres, deixe essa decisão com elas. Confie na experiência de milhões de gerações de úteros que souberam decidir a hora de procriar. E procriaram melhor depois, mais experientes.
Darwin – Mas a vida começa no útero! Como você pode conviver com a idéia de interromper uma vida?
Joana – O senhor não quer enxergar o corpo feminino! Mulher grávida é dois-em-um, não dá pra separar a vida do feto da vida da mãe, é dois-em-um, entende? É uma só vida, duplamente interligada, e se a mãe continua viva, como posso então ser acusada de interromper esta mesma vida?
Darwin – Safista e sofista, sofista e safista...
Joana – Não importa. O útero é um campo de batalha entre o corpo da mãe e o corpo do filho. A mulher dois-em-um é corpo e ambiente ao mesmo tempo, como você não entende isso? Às vezes, mesmo que ela não queira, ela aborta espontaneamente porque o corpo, o ambiente, não está preparado. Outras vezes, fazem como as macacas sagradas da Índia, que esfregam suas barrigas grávidas no chão até abortar quando percebem que não é época de procriar. Aborto é estratégia reprodutiva. Acredite, o corpo sabe a hora certa. E esse corpo é feminino. Nosso útero é nosso. Nós é que sabemos se nosso corpo vai conseguir dar conta de uma gestação, acredite, doutor Darwin! Nosso corpo é nosso. Será que isso se tornou tão clichê que vocês todos estão surdos?
Cantora, compositora, colunista GLS e proto-escritora. Lésbica e feminista. Atualmente assina a coluna GLS da Revista da Folha no jornal Folha de S.Paulo e a coluna "Vange Leonel" no Mix Brasil.