Meu Velho e o Mar
como bem lembrou minha irmã Cris, hoje faz 25 anos que nosso pai se foi. Vou postar então uma coluna que escrevi já faz algum tempo na Revista da Folha em homenagem à meu velho. A foto que ilustra este post foi tirada em Peruíbe e mostra meu pai e as três filhas (Cris, eu no carrinho e Lolô - meu irmão Otávio ainda não havia nascido).
Meu Velho e o Mar[por Vange Leonel]
Meu pai era filho de italianos imigrantes que chegaram ao porto de Santos e resolveram não subir a serra. Caiçara, criado na praia, caçula temporão, último de 7 irmãos, cresceu com seus olhos azuis fixos no horizonte, no oceano. De tanto olhar os barcos e navios chegando e partindo do cais, cursou engenharia naval e passou a vida projetando petroleiros. Mesmo depois de casar com minha mãe, quando veio morar na capital paulista, jamais conseguiu ficar muito tempo longe do mar.
Os leitores e leitoras me desculpem o tom tão pessoal, mas é inevitável lembrar do meu velho nessa época do ano. Hoje é dia dos pais e foi também no começo de um mês de agosto, há 18 anos, que meu pai morreu. Olho em volta e as revistas, jornais e tevês aproveitam a efeméride para estampar em suas páginas e telinha artigos e matérias sobre pais e seus filhos e eu fico com saudades.
Sinto falta daquele cara meio fechado, introspectivo, que me presenteou com um livro de Oscar Wilde depois que contei que era lésbica. Sinto muita pena que ele não tenha conhecido a minha cara-metade, minha mulher, pois tenho certeza que os dois se dariam muito bem (curiosamente, o esporte preferido da minha namorada parece ser o mesmo que meu velho gostava: me provocar com piadinhas espirituosas!).
Mas dou graças aos céus por ter tido tempo de mostrar a ele quem eu realmente era. Fico agradecida por não ter sido necessário engana-lo, por ter tido a chance de ser absolutamente honesta e por ter obtido, através de sua aceitação de minha homossexualidade, a prova definitiva de seu amor incondicional por mim.
Hoje, toda vez que me aproximo do oceano, paro e fixo meus olhos no horizonte e penso que ele já deve ter pousado seu olhar naquela faixa de mar inúmeras vezes. Imagino que ele observava as embarcações, indo e vindo, e que sabia, no fundo, que o que se leva dessa vida é a vida que se leva. Ainda bem que fomos amigos. E isso não aconteceu por acaso: aconteceu porque fizemos um esforço e não nos deixamos ficar à deriva. A tempo, acendemos um farol e construímos um porto para onde retornar os barcos.