É verdade que quando voltava, quando aparecia, a namorada compensava a ausência com dias e noites de sexo, paixão, amizade e histórias para contar. Era justamente por conta desses períodos de idílio entorpecente que ela suportava esperar, aceitando as vantagens e desvantagens de amar uma caminhoneira.
Vez ou outra, sentindo saudades, a namorada ligava de um posto de gasolina à beira da estrada. Para não perder nenhuma ligação, ela ficava atenta ao celular, aumentava o volume, acionava o vibrador, colocava o aparelho no bolso perto do coração e sobre a mesa durante o almoço.
"A gente sempre gosta do que está distante", pensava. E, de tanto pensar, começou a filosofar frases de pára-lamas. "Seja uma distância de centenas de quilômetros, dois metros que separam as mesas de um bar ou cinco milímetros de lábios prestes a se beijar: distância excita."
"Mas se a distância pode ser vencida indo ao encontro do que está longe, a demora frustra porque não sabemos o quanto ela vai durar. Só controlamos nossa própria demora, jamais a demora alheia."
Assim, ela aprendeu a esperar. Além disso, dizia, se orgulhava de namorar uma caminhoneira que não tinha pressa de chegar ao seu destino.
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Cantora, compositora, colunista GLS e proto-escritora. Lésbica e feminista. Atualmente assina a coluna GLS da Revista da Folha no jornal Folha de S.Paulo e a coluna "Vange Leonel" no Mix Brasil.