Páginas da vida
A rede Globo e o autor da novela "Paginas da Vida"
se desculparam pelo depoimento mostrado ao final do capítulo no último sábado.
Explico: a produção da novela (a exemplo da primeira temporada de "Sex and the city") grava depoimentos de cidadãs anônimas que são exibidos ao final de cada capítulo. No sábado, 15 de julho, eu estava amargando uma ressaca brava em casa e já me irritava com os moralismos de alguns personagens da novela quando, de repente, uma surpresa: o
depoimento de uma senhora negra de 68 anos sobre quando descobriu o orgasmo. Eis a transcrição:
"Esse negócio de as pessoas dizerem que tem de gozar junto, no mais popular, que tem de gozar junto e que é isso que faz neném...quer dizer... Isso é tudo mentira. Porque eu fiquei dos meus 14 aos 45 anos sem saber o que era isso. Para mim era tudo normal: o homem terminava, eu terminava também. Só com os 45 anos eu ganhei... eu fazia coleção de discos de Roberto Carlos, eu ganhei um LP que tinha a música 'Concavo e Convexo', não sei se saiu direito, 'Côncavo e Convexo'. Então eu botei a vitrola, que era daquelas antigas, e fui dormir. E simplesmente, gente, quando eu acordei, eu estava com a perna suspensa e a calcinha na mão, e toda babada. (pausa) Aí foi que eu comecei a comentar com as amigas. Falaram assim: 'Poxa, você gozou'. Aí que eu vim saber o que era o gozo. Moral da história: eu sou uma pessoa com 68 anos que o homem para mim não faz falta. Eu mesma dou o meu jeito."Achei o depoimento corajoso, informativo, potente e intuitivamente feminista. Estou estupefata é com a reação adversa de espectadores e alguns setores da mídia. Os que se chocaram pelas crianças presentes na sala deveriam procurar uma atividade melhor para fazer com os filhos em vez de assistir TV. Aos que se incomodaram por outros motivos eu pergunto: incomodou saber sobre a descoberta do orgasmo de uma mulher negra de 68 anos que não corresponde ao padrão de beleza? se fosse uma loira de vinte e poucos, incomodava? ou incomodou mais saber que ela não sente falta de homem e se dá prazer?
O prazer feminino mais uma vez é empurrado para dentro do armário.