De igual para igual
coluna GLS publicada na Revista da Folha de 09/04/2006[por Vange Leonel]
Eu tinha sete anos quando ela começou a me dar aulas de violão e nove quando ela me levou ao show "Gal a Todo Vapor". Tanto o violão quanto o show foram fundamentais para que eu resolvesse fazer música e me tornar cantora.
Quando completei 11, ela passou a me contar dos namorados, das coisas da vida, compartilhando suas impressões do mundo e conversando comigo de igual para igual. Ela me indicava leituras e me estimulava a pensar.
Aos 15, me descobri lésbica e falei com ela antes de contar para qualquer pessoa adulta. Ela, que tinha amigos homossexuais, entendeu imediatamente. Mais que isso: festejou e me deu forças.
Depois que fiz 17 e resolvi sair da casa dos meus pais, ela me acolheu em seu apartamento até que minha inquietude passasse, minha mente clareasse e eu resolvesse com eles os termos de nossa separação amigável. Tudo entre meus pais, ela e eu ocorreu de maneira amorosíssima.
Ela é minha amiga e, por um acaso feliz, é também minha prima. Seis anos mais velha que eu, hoje essa diferença de idade nem se faz notar. Mais que nunca, conversamos, trocamos idéias e afeto de maneira entusiasmada. Sempre de igual para igual.
O fato de me tratar (e de ter sempre me tratado) como igual, mesmo sendo ela heterossexual e eu lésbica, ou ela mais velha e eu mais nova, é (e foi) crucial para eu saber da consideração que mereço e devo esperar dos outros. Diferenças de idade, sexo, cor da pele, classe social ou orientação sexual jamais deveriam impedir um relacionamento bom e respeitoso. Minha prima me ensinou isso na prática.
© Folha de S.Paulo