Um novo homem
coluna GLS publicada na Revista da Folha em 02/08/2009por Vange Leonel Cúmulo da ironia, a filha de um ícone da hiperfeminilidade resolveu mudar de sexo. Sim, Chaz Bono, filha da cantora Cher, iniciou seu processo de transição para o sexo masculino e já toma testosterona. Ainda não sabe quando fará a retirada dos seios.
Batizada Chastity (Castidade) e gerada quando Cher fazia uma bissexual num filme dos anos 1960, parece que o destino reservou uma trajetória sui generis para a garota, que, diz, sempre se sentiu um garoto.
Chaz nasceu sob os holofotes, filha única da dupla pop Sonny & Cher. Arriscou-se como cantora, mas foi como ativista lésbica e diretora do GLAAD (associação contra a difamação de gays e lésbicas na mídia) que começou a ter vida pública própria. Nessa época, de cabelos longos e maquiagem leve, tinha aparência feminina.
Agora Chaz tenta equilibrar efeitos colaterais diversos: os do tratamento hormonal, da consciência ativista, da sinceridade radical e da coragem de se expor. Ele (vou começar a usar o masculino) foi convidado por TVs para documentar sua transição, mas quer pensar sobre o assunto. Só fará se for algo educativo, para explicar coisas como identidade de gênero e redesignação sexual. Por outro lado, disse que precisa de privacidade nesse momento e não dá entrevistas sobre o assunto.
É uma sinuca de bico. Entre prestar serviço de esclarecimento e preservar a intimidade, a evasão de privacidade parece inevitável.
© Folha de S.Paulo

ainda Chastity, com Mommy Cher...

...e agora, Chaz Bono.
Fantasia lésbica
coluna GLS publicada na revista da Folha em 16 de agosto de 2009
por Vange Leonel
Uma famosa marca de sapatos femininos (até parece piada pronta) acaba de lançar uma campanha publicitária com as atrizes Cleo Pires e Juliana Paes em fotos provocantes sugerindo uma atração lésbica.
Se as personagens das duas vivem às turras na novela "Caminho das Índias", nas fotos à beira de uma piscina, vestidas para matar, elas parecem bem mais que amigas em poses sensuais com acento homoerótico.
Há tempos se sabe que homens heterossexuais fantasiam com lésbicas lindas fazendo sexo entre si só para satisfazê-los. Afinal, vídeos adultos e revistas masculinas vivem explorando o fetiche do macho hetero por mulheres na cama com outras mulheres.
A novidade dessa nova campanha é usar a fantasia lésbica para atrair não os homens, mas as mulheres. Talvez os criadores da peça publicitária queiram apenas chamar atenção. Ou estão sugerindo que é cada vez mais evidente o desejo secreto que muitas heterossexuais têm por uma experiência lésbica, seja ela real, virtual ou imaginada.
Curioso é notar que mulheres notoriamente heterossexuais se sintam à vontade para brincar com a homossexualidade, enquanto lésbicas famosas preferem ficar dentro do armário. Por quê? Hipocrisia ou medo de homofobia? Parece que hoje em dia é mais fácil fazer um papel do que ser alguém real.
© Folha de S.Paulo

foto da campanha
[clique aqui pra ver o making of no youtube]
Meu Velho e o Mar
como bem lembrou minha irmã Cris, hoje faz 25 anos que nosso pai se foi. Vou postar então uma coluna que escrevi já faz algum tempo na Revista da Folha em homenagem à meu velho. A foto que ilustra este post foi tirada em Peruíbe e mostra meu pai e as três filhas (Cris, eu no carrinho e Lolô - meu irmão Otávio ainda não havia nascido).
Meu Velho e o Mar[por Vange Leonel]
Meu pai era filho de italianos imigrantes que chegaram ao porto de Santos e resolveram não subir a serra. Caiçara, criado na praia, caçula temporão, último de 7 irmãos, cresceu com seus olhos azuis fixos no horizonte, no oceano. De tanto olhar os barcos e navios chegando e partindo do cais, cursou engenharia naval e passou a vida projetando petroleiros. Mesmo depois de casar com minha mãe, quando veio morar na capital paulista, jamais conseguiu ficar muito tempo longe do mar.
Os leitores e leitoras me desculpem o tom tão pessoal, mas é inevitável lembrar do meu velho nessa época do ano. Hoje é dia dos pais e foi também no começo de um mês de agosto, há 18 anos, que meu pai morreu. Olho em volta e as revistas, jornais e tevês aproveitam a efeméride para estampar em suas páginas e telinha artigos e matérias sobre pais e seus filhos e eu fico com saudades.
Sinto falta daquele cara meio fechado, introspectivo, que me presenteou com um livro de Oscar Wilde depois que contei que era lésbica. Sinto muita pena que ele não tenha conhecido a minha cara-metade, minha mulher, pois tenho certeza que os dois se dariam muito bem (curiosamente, o esporte preferido da minha namorada parece ser o mesmo que meu velho gostava: me provocar com piadinhas espirituosas!).
Mas dou graças aos céus por ter tido tempo de mostrar a ele quem eu realmente era. Fico agradecida por não ter sido necessário engana-lo, por ter tido a chance de ser absolutamente honesta e por ter obtido, através de sua aceitação de minha homossexualidade, a prova definitiva de seu amor incondicional por mim.
Hoje, toda vez que me aproximo do oceano, paro e fixo meus olhos no horizonte e penso que ele já deve ter pousado seu olhar naquela faixa de mar inúmeras vezes. Imagino que ele observava as embarcações, indo e vindo, e que sabia, no fundo, que o que se leva dessa vida é a vida que se leva. Ainda bem que fomos amigos. E isso não aconteceu por acaso: aconteceu porque fizemos um esforço e não nos deixamos ficar à deriva. A tempo, acendemos um farol e construímos um porto para onde retornar os barcos.