por Vange Leonel
Até aquele momento, ela era apenas uma criança grande. Mas, quando começou a perceber uma espécie de aflição alegre no peito, achou que poderia estar sentindo aquilo que os adultos chamavam de paixão. Era incrível como, de repente, tomada pelo desejo por outra garota, a menina se transformara da noite para o dia numa adolescente às voltas com urgências do coração.
À noite, rolando na cama sem conseguir dormir, sonhava acordada com cenas tão singelas quanto excitantes: seu braço encostando de leve no braço dela; elas, lado a lado, sobre uma toalha estendida na areia olhando as estrelas; um segredo dito entre sussurros, revelando o amor mútuo e, para selar a fantasia, um beijo inocente.
Então, ela acordava de seu delírio com um pensamento chato: será que podia beijar outra mulher? Na praia, durante aquelas férias de verão, ela só vira casais formados por pai e mãe, homem e mulher, garoto e garota ou senhor e senhora.
Definitivamente, não conseguia lembrar de ter visto algum casal do mesmo sexo passeando romanticamente de mãos dadas pela orla.
Apaixonada e dona de uma coragem que só as crianças transformadas subitamente em adolescentes são capazes de ter, decidiu que, depois de pedir a amiga em namoro (tinha certeza de que ela aceitaria), seria a primeira a passear de mãos dadas com a namorada naquela praia. Seria um verão inesquecível!
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Cantora, compositora, colunista GLS e proto-escritora. Lésbica e feminista. Atualmente assina a coluna GLS da Revista da Folha no jornal Folha de S.Paulo e a coluna "Vange Leonel" no Mix Brasil.