Quando caía de amores por alguém, sentia-se a caminho de um destino ignorado, rumo a um ponto indefinido em meio à vastidão. Ou então navegando a esmo, em dupla, num pequeno barco à deriva que embalasse dois corações muito próximos.
A aventura amorosa era para ela um salto no escuro. Por isso, evitava dizer que seu amor era eterno. Achava absurda a tentativa de estabelecer verdades categóricas sobre uma relação amorosa. Para ela, pretender conhecer de antemão o desconhecido era uma contradição em termos.
Mesmo à medida que o amor se desvendava, tinha para si que nunca saberia ao certo o jeito, o peso ou a direção do próximo passo. Podia, obviamente, planejar a duas uma casa, um jantar e até uma filha. Mas, por mais que previsse as possibilidades de um cano estourado, um bife queimado ou um filho rebelde, não tinha a pretensão de adivinhar o futuro da casa, do jantar e do filho.
Da mesma maneira, sabia ser o amor imprevisível. Sentia que, quanto mais o deixasse livre para ser o que fosse, sem defini-lo ou aprisioná-lo em idéias preconcebidas, mais chances teria de ser feliz com aquele amor.
Por se saber incógnito, aquele seria um amor capaz de se revelar aos poucos. Sólido, sedutor e misterioso, sem promessas frágeis ou ilusões preguiçosas.
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Cantora, compositora, colunista GLS e proto-escritora. Lésbica e feminista. Atualmente assina a coluna GLS da Revista da Folha no jornal Folha de S.Paulo e a coluna "Vange Leonel" no Mix Brasil.