Quando aquelas duas garotas se beijam, esse mesmo anjo cria asas. Livre para voar sem rumo e pairar quase invisível sobre o mundo, ele olha por suas garotas, cuidando para que não se machuquem muito. Toda vez que duas garotas apaixonadas trocam carícias, os anjos festejam. Sabidos, esses anjinhos do céu aprenderam quase tudo sobre a arte de insuflar amor com o jovem Cupido. Foi Cupido, um deus pagão, quem os ensinou a manejar os arcos do desejo urgente e as flechas da paixão exaltada.
Tão logo duas garotas se vêem e se querem, absolutamente ou não, lá estão os anjinhos a postos, com suas armas apontadas, prontas para atravessar corações distraídos.
Quando duas garotas bêbadas de amor se deitam finalmente para experimentar o prazer do sexo e do amor físico, esses anjos repousam suas armas e apenas observam, vaidosos do trabalho bem feito.
Mas cada vez que duas garotas se separam para sempre, depois que o amor acaba, um anjo perde as asas e cai do céu. Triste, passa o resto de sua vida andando a esmo, vestindo trapos, carregando o arco quebrado e as flechas sem pontas.
Se repararmos bem, podemos até enxergar alguns deles refletidos nas lágrimas derramadas por garotas solitárias que choram amores perdidos e paixões desencontradas.
© Folha de S.PauloMarcadores: coluna GLS Folha
Cantora, compositora, colunista GLS e proto-escritora. Lésbica e feminista. Atualmente assina a coluna GLS da Revista da Folha no jornal Folha de S.Paulo e a coluna "Vange Leonel" no Mix Brasil.