Afrodite na Cerveja
[por Vange Leonel, parte do livro inédito "Novos Pergaminhos de Bilitis"]
Afrodite nasceu para mim do colarinho de um copo de cerveja. Da espuma espessa e amarga ela surgiu e se derramou dentro de mim. Através do vidro verde de um casco curvo vi seu corpo nu, distorcido, quadris ampliados, minimizados seios, olhos embaçados e pés flutuantes.
Seguindo o fluxo das bolhas que espocavam, ela mergulhou em minha garganta, escorreu pelo esôfago e foi se alojar nas vísceras. E dali para o baixo ventre, perto das partes sensíveis. Lá Afrodite se instalou e passou a me mandar sinais: voe, mergulhe, cante, fale, olhe para ela.
A cada gole de cerveja, mais obedecia. Ela induzia e eu voava, mergulhava, cantava, falava e olhava para ela. Como um turbilhão de ondas que me cobrissem num mar revolto, eu pedi mais uma, duas, três, infinitas cervejas. Nunca imaginei que Afrodite me faria afogar tão alegremente.
Cantora, compositora, colunista GLS e proto-escritora. Lésbica e feminista. Atualmente assina a coluna GLS da Revista da Folha no jornal Folha de S.Paulo e a coluna "Vange Leonel" no Mix Brasil.