coluna GLS
atendendo a pedidos, a coluna GLS da Revista da Folha de 11/12/2005.
Biografias
[por Vange Leonel]Quando publicou seu livro "The Price of Salt", em 1952,
Patricia Highsmith preferiu assiná-lo sob pseudônimo. Numa época em que o macarthismo assombrava a América, assumir a autoria de um romance pró-homossexualidade, principalmente para uma escritora iniciante, poderia representar o fim de uma carreira.
Ao contrário de outros romances baratos em voga, que exploravam temas igualmente picantes e condenavam à decadência suas personagens homossexuais, Highsmith escreveu sobre o amor entre duas mulheres sem recorrer a moralismos ou desfechos trágicos. Parece que agradou. Em pouco tempo o livro alcançou a marca de 1 milhão de cópias vendidas.
Em 1990, a escritora finalmente assumiu a autoria do livro, republicando-o com o título de "Carol". Antes de morrer, acreditando que seria muita hipocrisia esconder parte crucial de sua vida, Highsmith deixou instruções claras a seus futuros biógrafos: não omitam minha homossexualidade. De fato, sua primeira biografia póstuma ("
A Beautiful Shadow", ainda não lançada no Brasil) deixa explícito o papel fundamental de suas namoradas em sua vida e obra.
Para alguns, a homossexualidade de celebridades ou figuras históricas é detalhe sem importância. Eu, ao contrário, acho que uma biografia que não mencione as relações amorosas de seu biografado (homossexual ou não) priva o leitor de grande parte da história. Afinal, você engoliria uma biografia de Virginia Woolf que não citasse o marido Leonard ou a amante Vita? Pena, nem todos biografáveis são como Highsmith, que autorizou seu biógrafo a contar tudo.
© Folha de S.Paulo